Entubar ou não os Pacientes da COVID-19?

Alguns dos primeiros estudos da Província de Wuhan observavam a altíssima taxa de mortalidade dos pacientes de COVID-19 que eram colocados em ventilação mecânica (VM) — 81%1 e 97%2. Os autores desses estudos insistiram na necessidade de mais estudos e discutiram que esses resultados poderiam ser correlacionados com o fato de que aqueles pacientes que necessitavam de VM já apresentavam uma progressão muito grave da doença. No entanto, os números eram muito altos e, à medida que a pandemia continuava, os círculos clínicos aceitaram amplamente que os pacientes com COVID-19 não se saem muito bem nos ventiladores. Até os meios de comunicação populares começaram a diversificar a narrativa de “necessidade de mais ventiladores’ para adicionar manchetes como ‘Alguns médicos descartam o uso de ventiladores nos pacientes com o vírus.’3

Por que não usar a entubação como uma linha de defesa na linha de frente?

Embora não conheçamos a taxa de mortalidade conclusiva dos pacientes com COVID-19 em ventiladores, evitar a entubação como tratamento de linha de frente já é sugerido por organizações médicas em todo o mundo. A Organização Mundial da Saúde (OMS), os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), a Sociedade de Medicina Intensiva (SCCM), assim como orientações da China, Itália, Alemanha, Austrália e outros sugerem tentar opções não invasivas, incluindo a terapia de oxigênio de alto fluxo (como insuflação nasal de alta velocidade [HVNI] ou cânula nasal de alto fluxo [HFNC]). As diretrizes fornecem limitações a esses ensaios e a VM é recomendada, é claro, se o paciente não puder ser estabilizado com modos não invasivos de suporte de oxigênio.

A VM é uma ferramenta essencial para salvar vidas, mas apresenta riscos conhecidos, incluindo a necessidade de sedar o paciente, um risco maior de inflamação, risco de pneumotórax e barotrauma, entre outros.4 Uma vez na VM, o paciente não pode falar, comer ou beber e pode exigir mais contato do profissional de saúde o que, por sua vez, o expõe com mais frequência a um paciente infectado.

Por outro lado, a aplicação de oxigênio de alto fluxo apresenta efeitos colaterais significativamente menores e menos graves. O paciente pode permanecer sem sedação e pode interagir com o médico. Em relação ao risco de transmissão ao profissional de saúde, o modelo computacional sugere que o uso de uma máscara cirúrgica com a terapia HVNI pode reduzir o risco de dispersão de partículas e, com isso, reduzir a possibilidade de que os profissionais de saúde entrem em contato com partículas infectadas.5

Ter a terapia de alta velocidade como ferramenta não é uma solução milagrosa, é claro. As condições de alguns pacientes se deterioram e exigem VM. Isso levanta a questão: Quais são os pacientes adequados para que ferramenta?

“Hipoxemia silenciosa” versus “SDRA grave”

Gattinoni e colegas publicaram um ensaio em Intensive Care Medicine que poderia ajudar a responder a essa pergunta. O documento tem o nome de “Pneumonia por COVID-19: tratamento respiratório diferente para diferentes fenótipos?” e identifica dois tipos diferentes de pacientes com COVID-19.6 Os dois tipos são diagnosticados através de tomografia computadorizada. O primeiro foi denominado tipo L pelos autores e é também chamado de “hipoxêmico silencioso”; o segundo, recebeu o nome de tipo H, e se assemelha mais à SDRA grave clássica. As características tais como descritas pelos autores são indicadas na Tabela 1.

Table 1. The two different COVID-19 phenotypes
Tabela 1. Os dois fenótipos diferentes da COVID-19

Os autores observam que em sua amostra de pacientes (n=150) o tipo L era composto por 70-80% dos pacientes e o tipo H 20-30%. Eles sugerem que o tipo H poderia se beneficiar com uma entubação imediata, enquanto que para o tipo L, as ferramentas sugeridas de primeira linha são o alto fluxo, CPAP e VNIPP.

O artigo deles pode ser acessado em sua íntegra e serve como outro insight potencial para tratar essa nova enfermidade.

Referências

1. Yang X Yu Y Xu J et al. Clinical course and outcomes of critically ill patients with SARS-CoV-2 pneumonia in Wuhan, China: a single-centered, retrospective, observational study. Lancet Respir Med. 2020; (publicado online em 24 de fevereiro.) https://doi.org/10.1016/S2213-600(20)30079-5
2. Zhou F Yu T Du R et al. Clinical course and risk factors for mortality of adult inpatients with COVID-19 in Wuhan, China: a retrospective cohort study. Lancet. 2020; (publicado online em 9 de março.) https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30566-3
3. Stobbe, Mike. “Some doctors moving away from ventilators for virus patients.” Associated Press. 8 de abril de 2020. Last accessed: 9 de abril de 2020. https://apnews.com/8ccd325c2be9bf454c2128dcb7bd616d
4. Pierson, DJ. Complications associated with mechanical ventilation. Crit Care Clin. 1990 Jul;6(3):711-24.
5. Leonard S, Atwood CW Jr, Walsh BK, DeBellis RJ, Dungan GC, Strasser W, Whittle JS, Preliminary Findings of Control of Dispersion of Aerosols and Droplets during High Velocity Nasal Insufflation Therapy Using a Simple Surgical Mask: Implications for High Flow Nasal Cannula, CHEST (2020), doi:https://doi.org/10.1016/j.chest.2020.03.043.
6. Gattinoni L. et al. COVID-19 pneumonia: different respiratory treatment for different phenotypes? (2020) Intensive Care Medicine; DOI: 10.1007/s00134-020-06033-2